O Dia em que eu não
nasci
Filme magnífico, imperdível e cheio de qualidades raras no
cinema atual. Uma pérola das que nos deixam feliz de poder encontrar tantas
coisas boas num filme só.
A argentina deve ter feito seu expurgo e sua catarse em
relação à ditadura e aos desaparecidos, tamanha quantidade de filmes que foram
feitos sobre o período, logo após o fim da ditadura e os processos
investigativos que ainda acontecem por lá. Ao contrário de nós brasileiros, que
também tivemos nossa ditadura, desaparecidos, torturados e demais crimes, mas
acobertamos tudo com uma anistia covarde, los hermanos tiveram o peito de
iniciar, sempre com a dificuldade de desvelar o passado, pelos meandros do poder
sempre imundo, o que se deu no seu passado.
E fizeram isso tantas vezes que hoje há espaço para
assistirmos a um filme como este. Maria é uma nadadora alemã, por um acaso vem
parar em Buenos Aires, e uma sequencia de eventos a levará a descobrir quem de
fato é, o que ocorreu na sua vida, como chegou a ser aquilo que imaginava ser
sua verdadeira identidade.
O filme constrói com uma fotografia saturada sempre, um
clima de tensão, expectativa e descoberta passo a passo, Maria descobre que foi
filha de argentinos e não de alemães, que seus pais foram torturados e ela
levada pelos que trabalhavam com eles na Argentina, sem a chance de ficar com
sua família. Não conto mais nada, isto é só para situar uma linha do roteiro.
Há entretanto uma cena absolutamente maravilhosa, Maria leva
um namoradinho para servir de tradutor, e fazer as perguntas e respostas para a
família de sua mãe, que ela descobriu estar em Bs As ainda. E a tia/madrinha
lhe pergunta coisas e vice versa, e o namorado faz as traduções, e o namorado é
um policial, filho de outro policial possivelmente envolvido nos crimes da
ditadura. Maria mais tarde lhe perguntará se ele nunca quis saber o que seu pai
fizera naqueles anos, e o filho responde “Não, não desejo saber de algo que
possivelmente me faria odiá-lo”
E esta é uma das leituras do filme, que tempo terá de
passar, e quantos segredos escondidos necessitarão apodrecer até que consigamos
assumir uma identidade, destruída por processos de expurgo, morte e tortura.
Socialmente perdeu-se uma grande quantidade de pessoas nos processos de
ditadura, mas mais que isso, perderam-se forças, idéias, concepções, que faziam
parte de identidades nacionais, grupais e pessoais. Aos sumir com as pessoas,
rompem-se canis identitários, deixamos de ser, como povo, aquilo que éramos, e
não somos mais nada, somos algo perdido, somos algo a buscar, construir
identidades de frangalhos e restos, esparsos, perdidos, incompletos.
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